sexta-feira, 24 de abril de 2015

I Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia: Resumo Executivo

Gonzalez, Maria Margarita el al., 2013. 

Resumo 
Apesar de avanços nos últimos anos relacionados à prevenção e a tratamento, muitas são as vidas perdidas anualmente no Brasil relacionado à parada cardíaca e a eventos cardiovasculares em geral. O Suporte Básico de Vida envolve o atendimento às emergências cardiovasculares principalmente em ambiente pré-hospitalar, enfatizando reconhecimento e realização precoces das manobras de ressuscitação cardiopulmonar com foco na realização de compressões torácicas de boa qualidade, assim como na rápida desfibrilação, por meio da implementação dos programas de acesso público à desfibrilação. Esses aspectos são de fundamental importância e podem fazer diferença no desfecho dos casos como sobrevida hospitalar sem sequelas neurológicas. O início precoce do Suporte Avançado de Vida em Cardiologia também possui papel essencial, mantendo, durante todo o atendimento, a qualidade das compressões torácicas, adequado manejo da via aérea, tratamento específico dos diferentes ritmos de parada, desfibrilação, avaliação e tratamento das possíveis causas. Mais recentemente dá-se ênfase a cuidados pós-ressuscitação, visando reduzir a mortalidade por meio do reconhecimento precoce e tratamento da síndrome pós-parada cardíaca. A hipotermia terapêutica tem demonstrado melhora significativa da lesão neurológica e deve ser realizada em indivíduos comatosos pós-parada cardíaca. Para os médicos que trabalham na emergência ou unidade de terapia intensiva é de grande importância o aperfeiçoamento no tratamento desses pacientes por meio de treinamentos específicos, possibilitando maiores chances de sucesso e maior sobrevida.

Introdução 

Embasada no consenso científico internacional de 2010 e atualizada com algumas novas evidências científicas recolhidas nesses dois últimos anos, ocorre a edição da I Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares da Sociedade Brasileira de Cardiologia que visa atender às realidades brasileiras. Aspectos epidemiológicos Apesar de avanços nos últimos anos relacionados à prevenção e a tratamento, muitas são as vidas perdidas anualmente no Brasil relacionadas à parada cardiorrespiratória (PCR), ainda que não tenhamos a exata dimensão do problema pela falta de estatísticas robustas a esse respeito. Os avanços também se estendem à legislação sobre acesso público à desfibrilação e obrigatoriedade de disponibilização de desfibrilador externo automático (DEA), bem como no treinamento em ressuscitação cardiopulmonar (RCP), missão em que a Sociedade Brasileira de Cardiologia apresenta, há muitos anos, uma posição de destaque. Podemos estimar algo em torno de 200.000 PCRs ao ano no Brasil, sendo metade dos casos em ambiente hospitalar, e a outra metade em ambiente extra-hospitalar.

Suporte básico de vida no adulto para profissionais de saúde

A realização imediata de RCP em uma vítima de PCR, ainda que apenas com compressões torácicas no pré-hospitalar, contribui sensivelmente para o aumento das taxas de sobrevivência1-6. Portanto, as ações realizadas durante os minutos iniciais de atendimento a uma emergência são críticas em relação à sobrevivência da vítima, o que inclui o Suporte Básico de Vida (SBV). Em uma situação de PCR, um mnemônico pode ser utilizado para descrever os passos simplificados do atendimento em SBV: o “CABD primário” 7,8. Checar responsividade e respiração da vítima, chamar por ajuda, checar o pulso da vítima, compressões torácicas (30 compressões), abertura das vias aéreas, boa ventilação (2 ventilações após 30 compressões torácicas), desfibrilação

Deve-se, antes de qualquer atendimento em ambiente extra-hospitalar, verificar a segurança do local. Com o local seguro, ao abordar a vítima, toque-a pelos ombros. Observe se há movimento torácico de respiração em menos de 10 segundos e se estiver ausente ou se a vítima estiver apenas com gasping, chame ajuda imediatamente ligando para o número local de emergência. Verifique o pulso da vítima em menos de 10 segundos e, caso haja pulso, aplique uma ventilação a cada 5 a 6 segundos e cheque o pulso a cada 2 minutos; se não detectar pulso na vítima ou estiver em dúvida, inicie os ciclos de compressões e ventilações. Inicie ciclos de 30 compressões e 2 ventilações, considerando que existe um dispositivo de barreira (por exemplo, máscara de bolso para aplicar as ventilações). Para realização das compressões torácicas: posicione-se ao lado da vítima – que deve ter o tórax desnudo, coloque a região hipotênar da mão sobre o esterno da vítima e a outra mão sobre a primeira, entrelaçando-a, estenda os braços e se posicione cerca de 90° acima da vítima, comprima na frequência de, no mínimo, 100 compressões/minuto, com profundidade de, no mínimo, 5 cm e permita o retorno completo do tórax após cada compressão, sem retirar o contato das mãos com o mesmo. Minimize interrupções das compressões e reveze com outro socorrista a cada dois minutos para evitar a fadiga e compressões de má qualidade. Para não retardar o início das compressões torácicas, a abertura das vias aéreas deve ser realizada somente depois de aplicar trinta compressões. As ventilações devem ser realizadas em uma proporção de 30 compressões para 2 ventilações com apenas um segundo cada, fornecendo a quantidade de ar suficiente para promover a elevação do tórax. Independentemente da técnica utilizada para aplicar ventilações, será necessária a abertura de via aérea, que poderá ser realizada com a manobra da inclinação da cabeça e elevação do queixo e, se houver suspeita de trauma, a manobra de elevação do ângulo da mandíbula. A ventilação com a bolsa-válvula-máscara deve ser utilizada na presença de dois socorristas, um responsável pelas compressões e outro por aplicar as ventilações com o dispositivo. Em vítima que não respira ou respira de forma anormal (somente gasping), porém apresente pulso, se encontra, portanto, em PCR. Nesses casos, realize uma ventilação a cada 5 a 6 segundos para vítimas adultas. Para crianças e lactentes, aplique uma ventilação a cada 3 a 5 segundos. A desfibrilação precoce é o tratamento específico para PCR em FV/Taquicardia Ventricular sem pulso, pode ser realizada com um equipamento manual (somente manuseado pelo médico) ou com o DEA, que poderá ser utilizado por qualquer pessoa assim que possível. Esse aparelho pode ser manuseado por leigos, e os passos para seu manuseio se resume em ligá-lo e seguir as instruções que serão dadas por ele. 

Suporte avançado de vida em cardiologia no adulto 

Dos adultos vítimas de parada cardíaca em ambiente intrahospitalar, grande parte apresenta ritmo de Atividade elétrica sem pulso (37%) e Assistolia (39%) como ritmo inicial de PCR9 . Os ritmos de Fibrilação Ventricular e Taquicardia Ventricular sem pulso (FV/TVSP) são responsáveis por 23% a 24% dos eventos de PCR em ambiente intra-hospitalar, apresentando as maiores taxas de sobrevida, 36 a 37%. A sobrevida geral, considerando todos os ritmos de PCR, é de 18% 9,10.

Manejo da via aérea 

A escolha do melhor método de ventilação deve ser feita com base na experiência do socorrista, sendo aceitável a utilização do dispositivo de bolsa-válvulamáscara, isoladamente ou em combinação com a cânula orotraqueal, assim como a máscara laríngea, o combitube ou o tubo laríngeo. O uso de oxigênio a 100% é razoável durante as manobras de RCP com o objetivo de aumentar a oxi-hemoglobina arterial e a oferta de oxigênio. Embora a exposição prolongada a 100% seja tóxica, não existem evidências que ocorra toxicidade com a exposição breve, como no cenário da RCP em adultos. A ventilação com dispositivo bolsa-válvula-máscara é um método aceitável para a ventilação durante as manobras de RCP, mas requer treinamento contínuo para seu uso adequado. Idealmente, esse dispositivo deve ser utilizado por 2 socorristas. Durante a RCP, devem ser realizadas 2 ventilações após 30 compressões torácicas. No caso de PCR intra-hospitalar por FV/TV refratária e, principalmente, por AESP /assistolia, a ventilação com cânula orotraqueal é o método mais recomendado no manejo da via aérea. A interrupção da realização das compressões torácicas por motivo da intubação orotraqueal deverá ser minimizada ao extremo, e a intubação deverá ser realizada somente em momento oportuno, quando não for interferir com as outras manobras de ressuscitação. O treinamento e retreinamento nessa habilidade são recomendados para socorristas que realizam esse procedimento. Não há evidências na literatura sobre o melhor momento para realizar a intubação orotraqueal durante o atendimento da PCR.

Após a colocação da cânula traqueal, é necessário checar se o seu posicionamento está correto, o que é feito inicialmente pela avaliação clínica que consiste na visualização da expansão torácica e da condensação do tubo durante a ventilação e na ausculta em 5 pontos: epigástrio, base pulmonar esquerda, base pulmonar direita, ápice pulmonar esquerdo e ápice pulmonar direito, preferencialmente nessa ordem. Além disso, o posicionamento correto do tubo deve ser confirmado com a utilização de um dispositivo. O mais indicado é a capnografia quantitativa, mas na sua ausência pode-se utilizar dispositivos detectores esofágicos e detectores de CO2 11-14. Deve-se manter a ventilação e oxigenação com intervalo de uma ventilação a cada 6 a 8 segundos, o que corresponde a 8 a 10 ventilações por minuto de maneira assíncrona às compressões torácicas, que devem ser mantidas em frequência igual ou superior a cem por minuto15,16.

Monitorização durante a PCR 

O dióxido de carbono exalado no final da expiração (expressado em mmHg – PETCO2 ) detectado pela capnografia quantitativa em pacientes intubados é correlacionado com a qualidade da RCP e com o retorno da circulação espontânea (RCE). Durante a PCR não tratada, a produção de CO2 é mantida, porém não existe liberação pelos pulmões, sendo a presença de débito cardíaco a maior determinante da liberação do PETCO2 . Os valores do PETCO2 são correlacionados com o RCE e com a pressão de perfusão coronária. Valores < 10 mmHg revelam pouca probabilidade de RCE, indicando a necessidade de melhora na qualidade da RCP17-20. Outro mecanismo muito útil para a monitorização da RCP é a medida da pressão arterial diastólica (PAD) naqueles pacientes que dispõem de monitorização arterial invasiva no momento da PCR. Seu valor é correlacionado com a pressão de perfusão coronária e com o RCE. Nas situações em que a pressão de relaxamento (diastólica) é < 20 mmHg, é razoável considerar melhorar a qualidade da RCP, melhorando as compressões torácicas e as drogas vasoativas. Vale ressaltar que a presença de dispositivos arteriais também pode reduzir o tempo de interrupção da RCP na checagem de pulso em pacientes com atividade elétrica organizada. Saturação venosa central < 30% é relacionada à impossibilidade de atingir o RCE; sugerindo-se então que, durante a PCR, é necessário manter valores acima de 30%.

Manejo da parada cardíaca 

A parada cardíaca pode ser causada por quatro ritmos: Fibrilação Ventricular (FV), Taquicardia Ventricular Sem Pulso (TVSP), Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) e Assistolia. A sobrevida dos pacientes depende da integração do SBV, do suporte avançado de vida em cardiologia (SAVC) e dos cuidados pós-ressuscitação. 

As pausas durante as manobras de RCP devem ser minimizadas e restritas a checagem de ritmo, desfibrilação, checagem de pulso quando houver ritmo organizado e breve pausa para obtenção e confirmação de uma via aérea avançada21,22. A monitorização da qualidade da RCP é fortemente recomendada. O atraso no início da administração de vasopressores para além dos primeiros cinco minutos de PCR, bem como a demora em instalar via aérea avançada podem estar associados a pior prognóstico. Assim, pode-se sugerir o início do uso de vasopressores nos primeiros ciclos de RCP23-25. Durante a tentativa de ressuscitação, o socorrista deve tentar identificar a causa da PCR – diagnóstico diferencial. A maioria das causas de parada pode ser resumida na memorização mnemônica “5 Hs e 5 Ts”, a saber: Hipóxia, Hipovolemia, Hidrogênio (acidose), Hiper/Hipocalemia, Hipotermia; Tóxicos, Tamponamento cardíaco, Tensão no tórax (pneumotórax hipertensivo), Trombose coronária (infarto agudo do miocárdio), Tromboembolismo pulmonar26-28. Para o ideal atendimento da PCR, além de ênfase na RCP de boa qualidade, deve-se atentar ao papel de cada um na equipe de ressuscitação. O treinamento do atendimento de PCR em equipe minimiza erros e é recomendado29. Os dois princípios fundamentais do bom trabalho em equipe são: liderança e comunicação efetiva30,31. Assim, a cada atendimento, deve haver um profissional que assuma o papel de líder na condução do caso. Esse profissional deve garantir que todas as tarefas sejam compreendidas e executadas pelos diferentes membros da equipe, incorporar novas informações, reavaliar o caso, centralizar a comunicação entre os membros da equipe e avaliar o desempenho de seus colegas, garantindo RCP de boa qualidade, controle adequado da via aérea e segurança na manipulação do desfibrilador.

Tratamento da fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso 

Quando a monitorização com desfibrilador manual revela ritmo de FV/TVSP, a prioridade deve ser a desfibrilação o mais precoce possível, assim que disponível, uma vez que duração da arritmia é fator prognóstico para o sucesso da desfibrilação, sendo máximo se a desfibrilação é realizada com desfibrilador manual ou automático em até 3 minutos do início da FV. Durante a reanimação, devem se consideradas drogas vasopressoras e antiarrítmicas, bem como identificar e tratar causas potencialmente reversíveis26-28. Se um desfibrilador bifásico estiver disponível, a energia do choque deve ser entre 120-200J conforme as orientações do fabricante. Se o socorrista desconhece as orientações do fabricante o choque deve ser administrado com a energia máxima disponível no aparelho. Se um desfibrilador monofásico estiver disponível, o choque deve ser administrado com 360J assim como os choques subsequentes26. Após o primeiro choque, preferencialmente com desfibrilador bifásico, procede-se RCP por 2 minutos, seguida de checagem de ritmo no monitor. Caso FV/TV persista, procede-se a um novo choque de alta energia, seguido por RCP durante 2 minutos. O melhor momento para administrar o vasopressor não é estabelecido, devendose considerar seu início após o estabelecimento do acesso venoso. A administração precoce poderia otimizar o fluxo sanguíneo miocárdico antes do próximo choque. Há evidências sugerindo que o início precoce das drogas melhore o prognóstico21,24,25. Em qualquer ritmo de PCR, a primeira droga a ser utilizada deve ser um vasopressor. Embora o nível de evidência seja limitado, recomenda-se administração de adrenalina 1 mg a cada três a cinco minutos32. A primeira ou segunda dose de adrenalina pode ser substituída por vasopressina 40 U. Caso haja persistência de FV ou TVSP, apesar da RCP, desfibrilação e vasopressor, indica-se um antiarrítmico: amiodarona (antiarrítmico de escolha) ou lidocaína. A amiodarona, um antiarrítmico classe III de Vaughan-Williams, é a droga antiarrítmica de primeira escolha no tratamento da FV/TVSP refratária após a droga vasopressora e nova desfibrilação. 

Tratamento da assistolia e da atividade elétrica sem pulso (AESP) 

São ritmos em que a desfibrilação não está indicada. Devese, então, promover RCP de boa qualidade, aplicar as drogas indicadas e procurar identificar e tratar as causas reversíveis27. Se no momento da checagem de ritmo, após dois minutos contínuos de RCP, houver um ritmo organizado no monitor, procede-se à checagem do pulso central carotídeo por cinco a 10 segundos. Caso não haja pulso palpável nesse período, identifica-se AESP. Para ritmo de Assistolia ou AESP, um vasopressor, adrenalina ou vasopressina pode ser administrado com o objetivo de incrementar o fluxo sanguíneo cerebral e miocárdico33. O uso rotineiro de atropina não é recomendado. 

O uso da vasopressina no lugar da primeira ou segunda dose de adrenalina pode ser realizado, mas metanálise não demonstrou diferenças entre as duas para nenhum dos ritmos de PCR. Não há evidência clara de benefício terapêutico com uso rotineiro de atropina no tratamento da PCR em AESP. AESP e Assistolia podem ser causadas por condições reversíveis e tratadas com sucesso se forem detectadas. Durante os 2 minutos de RCP, os socorristas devem lembrar dos “5Hs e 5Ts”. Na AESP, quando existe a suspeita de um tromboembolismo pulmonar, a administração empírica de trombolíticos deve ser considerada. As recomendações para o manejo da PCR em assistolia e AESP são ilustradas na Tabela 4. A Figura 2 ilustra o Algoritmo do tratamento da parada cardíaca em Atividade elétrica sem pulso ou Assistolia.

Vias para administração de medicamento Durante a parada cardíaca a prioridade sempre será administrar RCP de boa qualidade e desfibrilação imediata; a administração de drogas será secundária. Depois da tentativa de desfibrilação, os socorristas devem estabelecer um acesso intravenoso (IV) ou intraósseo (IO), sem interrupção das compressões torácicas. Deve-se escolher, de preferência, o acesso venoso periférico nos membros superiores (veia antecubital). Se não for possível estabelecer acesso IV, a via intraóssea (IO), para administração de drogas, pode proporcionar concentrações plasmáticas adequadas, similares às alcançadas pelo acesso intravenoso. A administração de medicamentos por um acesso central pode ser considerada se não houver nenhuma contraindicação. Estudos têm demonstrado que drogas como lidocaína, adrenalina, atropina, naloxone e vasopressina podem ser absorvidas por via endotraqueal. Porém, a administração intravenosa (IV) ou intraóssea (IO) de medicamentos é preferível à administração endotraqueal.   

Cuidados pós-ressuscitação cardiopulmonar 

Cuidados organizados pós-PCR com ênfase em programas multidisciplinares têm como finalidade diminuir, numa fase inicial, a mortalidade associada à instabilidade hemodinâmica e, como consequência, limitar o dano cerebral e a lesão nos demais órgãos. O tratamento deve estar direcionado para disponibilizar um suporte que inclua ressuscitação volêmica, uso de drogas vasoativas, ventilação mecânica e o emprego de dispositivos de assistência circulatória.

O termo síndrome pós-PCR se refere a um processo fisiopatológico complexo de lesão tecidual secundária à isquemia, com injúria adicional de reperfusão34. Nessa síndrome, estão presentes e são reconhecidos quatro componentes principais: injúria cerebral, disfunção miocárdica, isquemia de reperfusão e intervenção na patologia precipitante35. Após o RCE, obtenção de uma via aérea definitiva adequada para suporte da ventilação mecânica se faz necessária. É nesse momento, por exemplo, que uma máscara laríngea colocada em regime de emergência deve ser trocada por uma cânula orotraqueal. A oxigenação do paciente deve ser monitorizada de forma contínua com oximetria de pulso. O capnógrafo, quando disponível, pode auxiliar no estabelecimento da via aérea definitiva em local apropriado. Na ausência de contraindicações, a cabeceira do leito deve ser mantida elevada ao menos a 30˚ para prevenir edema cerebral, broncoaspiração e pneumonia associada à ventilação mecânica. A respeito da oferta ideal de oxigênio, a recomendação é que, já na primeira hora, a fração inspirada de oxigênio (FIO2) seja ajustada para uma saturação arterial entre 94% e 96%, evitando assim a hiperoxia – que facilita aumento no estresse oxidativo e está associada a pior prognóstico neurológico36. 

Cuidados com volume corrente devem ser instituídos a fim de evitar barotrauma, volutrama e biotrauma. Eletrocardiograma de 12 derivações deverá ser precocemente realizado após o RCE para que possam ser detectadas elevações do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo supostamente novo. Mesmo na ausência de elevação do segmento ST, mas na suspeita de Síndrome Coronariana Aguda, tratamentos medicamentosos ou intervencionistas devem ser iniciados e não devem ser atrasados devido ao estado de coma. A realização simultânea de intervenção coronária percutânea e hipotermia é segura e apresenta bons resultados. O emprego de drogas vasoativas está indicado para adequar o débito cardíaco, e deve ser administradas preferencialmente por meio de acesso venoso central. Pelo fato de Hipotermia Terapêutia (HT) ser a única intervenção que demonstrou melhora da recuperação neurológica, deve ser considerada para qualquer paciente que seja incapaz de obedecer comandos verbais após o RCE37-40. Evidências indicam que pacientes adultos comatosos, ou seja, que não apresentam resposta adequada aos comandos verbais, e que apresentem RCE após PCR no ritmo de FV / TVSP fora do ambiente hospitalar, devem ser resfriados a 32° a 34° C por 12 a 24 horas.

Apesar de não haver estudos consistentes específicos de hipotermia em subgrupos de pacientes que apresentam PCR em ritmo não chocável, a hipotermia induzida também pode beneficiar pacientes adultos em coma, com RCE após PCR fora do hospital a partir de outros ritmos, como assistolia ou atividade elétrica sem pulso, ou nas paradas cardíacas intra-hospitalares. A temperatura central do paciente deve ser monitorada continuamente por meio de termômetro esofágico, cateter vesical ou cateter de artéria pulmonar. O resfriamento deve ser iniciado prontamente, preferencialmente no local do evento ou até 6 horas após o RCE. A fase de manutenção se inicia ao atingir temperatura de 34° C, e se extende por 24 horas. Os cuidados são direcionados para controle rigoroso de temperatura, a fim de se evitar o híper resfriamento (temperatura < 32° C). O início da fase do reaquecimento não implica na descontinuidade imediata dos dispositivos de resfriamento, já que o ganho de temperatura deverá ser gradativo. A velocidade ideal do reaquecimento não é conhecida; o consenso é para que o ganho seja de 0,25 a 0,5° C a cada hora. A observação por tempo superior a 72 horas é recomendada naqueles submetidos à HT antes da avaliação do prognóstico. Devem ser consideradas estratégias para tratar a hiperglicemia, já que valores de glicemia > 180 mg/dl em pacientes com RCE podem ser deletérios. A hipoglicemia deve ser evitada. Dessa forma, estratégias para um controle glicêmico moderado – glicemias entre 144 e 180 mg/dl – podem ser instituídas para adultos com RCE.

A complexidade dos cuidados pós-RCP é sabidamente comprovada. O avanço tecnológico e a intervenção precoce trouxeram maior perspectiva de sobrevida, contudo os desafios ainda são grandes. Neste contexto, a hipotermia é um dos tópicos que certamente ainda deverá ocupar um maior espaço na terapêutica a ser oferecida. 

Fonte: http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/169209/mod_resource/content/2/Diretriz%20Brasileira%20para%20RCP%20-%20I%20Diretriz%20de%20Ressuscita%C3%A7%C3%A3o%20Cardiopulmonar%20e%20Cuidados%20Cardiovasculares%20de%20Emerg%C3%AAncia%20da%20Sociedade%20Brasileira%20de%20Cardiologia%20Resumo%20Executivo.pdf 

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