Gonzalez, Maria Margarita el al., 2013.
Resumo
Apesar de avanços nos últimos anos relacionados à
prevenção e a tratamento, muitas são as vidas perdidas
anualmente no Brasil relacionado à parada cardíaca e a
eventos cardiovasculares em geral. O Suporte Básico de Vida
envolve o atendimento às emergências cardiovasculares
principalmente em ambiente pré-hospitalar, enfatizando
reconhecimento e realização precoces das manobras de
ressuscitação cardiopulmonar com foco na realização
de compressões torácicas de boa qualidade, assim como
na rápida desfibrilação, por meio da implementação
dos programas de acesso público à desfibrilação. Esses
aspectos são de fundamental importância e podem fazer
diferença no desfecho dos casos como sobrevida hospitalar
sem sequelas neurológicas. O início precoce do Suporte
Avançado de Vida em Cardiologia também possui papel
essencial, mantendo, durante todo o atendimento, a
qualidade das compressões torácicas, adequado manejo da
via aérea, tratamento específico dos diferentes ritmos de
parada, desfibrilação, avaliação e tratamento das possíveis
causas. Mais recentemente dá-se ênfase a cuidados pós-ressuscitação,
visando reduzir a mortalidade por meio
do reconhecimento precoce e tratamento da síndrome
pós-parada cardíaca. A hipotermia terapêutica tem
demonstrado melhora significativa da lesão neurológica e
deve ser realizada em indivíduos comatosos pós-parada
cardíaca. Para os médicos que trabalham na emergência
ou unidade de terapia intensiva é de grande importância
o aperfeiçoamento no tratamento desses pacientes por
meio de treinamentos específicos, possibilitando maiores
chances de sucesso e maior sobrevida.
Introdução
Embasada no consenso científico internacional de 2010 e
atualizada com algumas novas evidências científicas recolhidas
nesses dois últimos anos, ocorre a edição da I Diretriz de
Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares
da Sociedade Brasileira de Cardiologia que visa atender às
realidades brasileiras.
Aspectos epidemiológicos
Apesar de avanços nos últimos anos relacionados à
prevenção e a tratamento, muitas são as vidas perdidas
anualmente no Brasil relacionadas à parada cardiorrespiratória
(PCR), ainda que não tenhamos a exata dimensão do
problema pela falta de estatísticas robustas a esse respeito.
Os avanços também se estendem à legislação sobre acesso
público à desfibrilação e obrigatoriedade de disponibilização
de desfibrilador externo automático (DEA), bem como no
treinamento em ressuscitação cardiopulmonar (RCP), missão
em que a Sociedade Brasileira de Cardiologia apresenta, há
muitos anos, uma posição de destaque. Podemos estimar
algo em torno de 200.000 PCRs ao ano no Brasil, sendo
metade dos casos em ambiente hospitalar, e a outra metade
em ambiente extra-hospitalar.
Suporte básico de vida no adulto para profissionais de
saúde
A realização imediata de RCP em uma vítima de
PCR, ainda que apenas com compressões torácicas no
pré-hospitalar, contribui sensivelmente para o aumento
das taxas de sobrevivência1-6. Portanto, as ações realizadas
durante os minutos iniciais de atendimento a uma
emergência são críticas em relação à sobrevivência da vítima,
o que inclui o Suporte Básico de Vida (SBV).
Em uma situação de PCR, um mnemônico pode ser utilizado
para descrever os passos simplificados do atendimento
em SBV: o “CABD primário” 7,8. Checar responsividade e
respiração da vítima, chamar por ajuda, checar o pulso da
vítima, compressões torácicas (30 compressões), abertura das
vias aéreas, boa ventilação (2 ventilações após 30 compressões
torácicas), desfibrilação
Deve-se, antes de qualquer atendimento em ambiente
extra-hospitalar, verificar a segurança do local. Com o local
seguro, ao abordar a vítima, toque-a pelos ombros. Observe
se há movimento torácico de respiração em menos de
10 segundos e se estiver ausente ou se a vítima estiver apenas
com gasping, chame ajuda imediatamente ligando para o
número local de emergência. Verifique o pulso da vítima
em menos de 10 segundos e, caso haja pulso, aplique uma
ventilação a cada 5 a 6 segundos e cheque o pulso a cada
2 minutos; se não detectar pulso na vítima ou estiver em
dúvida, inicie os ciclos de compressões e ventilações. Inicie
ciclos de 30 compressões e 2 ventilações, considerando que
existe um dispositivo de barreira (por exemplo, máscara de
bolso para aplicar as ventilações).
Para realização das compressões torácicas: posicione-se ao
lado da vítima – que deve ter o tórax desnudo, coloque a região
hipotênar da mão sobre o esterno da vítima e a outra mão sobre
a primeira, entrelaçando-a, estenda os braços e se posicione
cerca de 90° acima da vítima, comprima na frequência de,
no mínimo, 100 compressões/minuto, com profundidade
de, no mínimo, 5 cm e permita o retorno completo do tórax
após cada compressão, sem retirar o contato das mãos com
o mesmo. Minimize interrupções das compressões e reveze
com outro socorrista a cada dois minutos para evitar a fadiga
e compressões de má qualidade.
Para não retardar o início das compressões torácicas, a
abertura das vias aéreas deve ser realizada somente depois
de aplicar trinta compressões. As ventilações devem ser
realizadas em uma proporção de 30 compressões para
2 ventilações com apenas um segundo cada, fornecendo
a quantidade de ar suficiente para promover a elevação do tórax. Independentemente da técnica utilizada para
aplicar ventilações, será necessária a abertura de via aérea,
que poderá ser realizada com a manobra da inclinação
da cabeça e elevação do queixo e, se houver suspeita de
trauma, a manobra de elevação do ângulo da mandíbula.
A ventilação com a bolsa-válvula-máscara deve ser utilizada
na presença de dois socorristas, um responsável pelas
compressões e outro por aplicar as ventilações com o
dispositivo.
Em vítima que não respira ou respira de forma anormal
(somente gasping), porém apresente pulso, se encontra,
portanto, em PCR. Nesses casos, realize uma ventilação a cada
5 a 6 segundos para vítimas adultas. Para crianças e lactentes,
aplique uma ventilação a cada 3 a 5 segundos.
A desfibrilação precoce é o tratamento específico para PCR
em FV/Taquicardia Ventricular sem pulso, pode ser realizada
com um equipamento manual (somente manuseado pelo
médico) ou com o DEA, que poderá ser utilizado por qualquer
pessoa assim que possível. Esse aparelho pode ser manuseado
por leigos, e os passos para seu manuseio se resume em ligá-lo
e seguir as instruções que serão dadas por ele.
Suporte avançado de vida em cardiologia no adulto
Dos adultos vítimas de parada cardíaca em ambiente intrahospitalar,
grande parte apresenta ritmo de Atividade elétrica
sem pulso (37%) e Assistolia (39%) como ritmo inicial de PCR9
.
Os ritmos de Fibrilação Ventricular e Taquicardia Ventricular sem
pulso (FV/TVSP) são responsáveis por 23% a 24% dos eventos de PCR em ambiente intra-hospitalar, apresentando as maiores
taxas de sobrevida, 36 a 37%. A sobrevida geral, considerando
todos os ritmos de PCR, é de 18% 9,10.
Manejo da via aérea
A escolha do melhor método de ventilação deve
ser feita com base na experiência do socorrista, sendo
aceitável a utilização do dispositivo de bolsa-válvulamáscara,
isoladamente ou em combinação com a cânula
orotraqueal, assim como a máscara laríngea, o combitube
ou o tubo laríngeo. O uso de oxigênio a 100% é razoável
durante as manobras de RCP com o objetivo de aumentar
a oxi-hemoglobina arterial e a oferta de oxigênio. Embora
a exposição prolongada a 100% seja tóxica, não existem
evidências que ocorra toxicidade com a exposição breve,
como no cenário da RCP em adultos.
A ventilação com dispositivo bolsa-válvula-máscara é um
método aceitável para a ventilação durante as manobras
de RCP, mas requer treinamento contínuo para seu uso
adequado. Idealmente, esse dispositivo deve ser utilizado
por 2 socorristas. Durante a RCP, devem ser realizadas
2 ventilações após 30 compressões torácicas.
No caso de PCR intra-hospitalar por FV/TV refratária e,
principalmente, por AESP /assistolia, a ventilação com cânula
orotraqueal é o método mais recomendado no manejo da via
aérea. A interrupção da realização das compressões torácicas
por motivo da intubação orotraqueal deverá ser minimizada
ao extremo, e a intubação deverá ser realizada somente em
momento oportuno, quando não for interferir com as outras
manobras de ressuscitação. O treinamento e retreinamento
nessa habilidade são recomendados para socorristas que
realizam esse procedimento. Não há evidências na literatura
sobre o melhor momento para realizar a intubação orotraqueal
durante o atendimento da PCR.
Após a colocação da cânula traqueal, é necessário checar se
o seu posicionamento está correto, o que é feito inicialmente
pela avaliação clínica que consiste na visualização da expansão
torácica e da condensação do tubo durante a ventilação e na
ausculta em 5 pontos: epigástrio, base pulmonar esquerda,
base pulmonar direita, ápice pulmonar esquerdo e ápice
pulmonar direito, preferencialmente nessa ordem. Além disso,
o posicionamento correto do tubo deve ser confirmado com a
utilização de um dispositivo. O mais indicado é a capnografia
quantitativa, mas na sua ausência pode-se utilizar dispositivos detectores esofágicos e detectores de CO2
11-14. Deve-se manter
a ventilação e oxigenação com intervalo de uma ventilação a
cada 6 a 8 segundos, o que corresponde a 8 a 10 ventilações
por minuto de maneira assíncrona às compressões torácicas,
que devem ser mantidas em frequência igual ou superior a
cem por minuto15,16.
Monitorização durante a PCR
O dióxido de carbono exalado no final da expiração
(expressado em mmHg – PETCO2
) detectado pela capnografia
quantitativa em pacientes intubados é correlacionado com a
qualidade da RCP e com o retorno da circulação espontânea
(RCE). Durante a PCR não tratada, a produção de CO2
é
mantida, porém não existe liberação pelos pulmões, sendo a
presença de débito cardíaco a maior determinante da liberação
do PETCO2
. Os valores do PETCO2
são correlacionados
com o RCE e com a pressão de perfusão coronária. Valores
< 10 mmHg revelam pouca probabilidade de RCE, indicando
a necessidade de melhora na qualidade da RCP17-20.
Outro mecanismo muito útil para a monitorização da
RCP é a medida da pressão arterial diastólica (PAD) naqueles
pacientes que dispõem de monitorização arterial invasiva no
momento da PCR. Seu valor é correlacionado com a pressão
de perfusão coronária e com o RCE. Nas situações em que a
pressão de relaxamento (diastólica) é < 20 mmHg, é razoável
considerar melhorar a qualidade da RCP, melhorando as
compressões torácicas e as drogas vasoativas. Vale ressaltar
que a presença de dispositivos arteriais também pode reduzir
o tempo de interrupção da RCP na checagem de pulso em
pacientes com atividade elétrica organizada.
Saturação venosa central < 30% é relacionada à
impossibilidade de atingir o RCE; sugerindo-se então que,
durante a PCR, é necessário manter valores acima de 30%.
Manejo da parada cardíaca
A parada cardíaca pode ser causada por quatro ritmos:
Fibrilação Ventricular (FV), Taquicardia Ventricular Sem Pulso
(TVSP), Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) e Assistolia. A
sobrevida dos pacientes depende da integração do SBV,
do suporte avançado de vida em cardiologia (SAVC) e dos
cuidados pós-ressuscitação.
As pausas durante as manobras de RCP devem ser minimizadas
e restritas a checagem de ritmo, desfibrilação, checagem de pulso
quando houver ritmo organizado e breve pausa para obtenção
e confirmação de uma via aérea avançada21,22. A monitorização
da qualidade da RCP é fortemente recomendada. O atraso no
início da administração de vasopressores para além dos primeiros
cinco minutos de PCR, bem como a demora em instalar via aérea
avançada podem estar associados a pior prognóstico. Assim,
pode-se sugerir o início do uso de vasopressores nos primeiros
ciclos de RCP23-25.
Durante a tentativa de ressuscitação, o socorrista deve
tentar identificar a causa da PCR – diagnóstico diferencial.
A maioria das causas de parada pode ser resumida na
memorização mnemônica “5 Hs e 5 Ts”, a saber: Hipóxia,
Hipovolemia, Hidrogênio (acidose), Hiper/Hipocalemia,
Hipotermia; Tóxicos, Tamponamento cardíaco, Tensão no
tórax (pneumotórax hipertensivo), Trombose coronária (infarto
agudo do miocárdio), Tromboembolismo pulmonar26-28.
Para o ideal atendimento da PCR, além de ênfase na RCP
de boa qualidade, deve-se atentar ao papel de cada um na
equipe de ressuscitação. O treinamento do atendimento
de PCR em equipe minimiza erros e é recomendado29. Os
dois princípios fundamentais do bom trabalho em equipe
são: liderança e comunicação efetiva30,31. Assim, a cada
atendimento, deve haver um profissional que assuma o papel
de líder na condução do caso. Esse profissional deve garantir
que todas as tarefas sejam compreendidas e executadas pelos
diferentes membros da equipe, incorporar novas informações,
reavaliar o caso, centralizar a comunicação entre os membros
da equipe e avaliar o desempenho de seus colegas, garantindo
RCP de boa qualidade, controle adequado da via aérea e
segurança na manipulação do desfibrilador.
Tratamento da fibrilação ventricular e taquicardia
ventricular sem pulso
Quando a monitorização com desfibrilador manual revela
ritmo de FV/TVSP, a prioridade deve ser a desfibrilação o
mais precoce possível, assim que disponível, uma vez que
duração da arritmia é fator prognóstico para o sucesso da
desfibrilação, sendo máximo se a desfibrilação é realizada
com desfibrilador manual ou automático em até 3 minutos do
início da FV. Durante a reanimação, devem se consideradas
drogas vasopressoras e antiarrítmicas, bem como identificar
e tratar causas potencialmente reversíveis26-28.
Se um desfibrilador bifásico estiver disponível, a energia
do choque deve ser entre 120-200J conforme as orientações
do fabricante. Se o socorrista desconhece as orientações do fabricante o choque deve ser administrado com a
energia máxima disponível no aparelho. Se um desfibrilador
monofásico estiver disponível, o choque deve ser administrado
com 360J assim como os choques subsequentes26.
Após o primeiro choque, preferencialmente com
desfibrilador bifásico, procede-se RCP por 2 minutos,
seguida de checagem de ritmo no monitor. Caso FV/TV
persista, procede-se a um novo choque de alta energia,
seguido por RCP durante 2 minutos. O melhor momento
para administrar o vasopressor não é estabelecido, devendose
considerar seu início após o estabelecimento do acesso
venoso. A administração precoce poderia otimizar o fluxo
sanguíneo miocárdico antes do próximo choque. Há
evidências sugerindo que o início precoce das drogas melhore
o prognóstico21,24,25.
Em qualquer ritmo de PCR, a primeira droga a ser utilizada
deve ser um vasopressor. Embora o nível de evidência seja
limitado, recomenda-se administração de adrenalina 1 mg a
cada três a cinco minutos32.
A primeira ou segunda dose de adrenalina pode ser
substituída por vasopressina 40 U. Caso haja persistência
de FV ou TVSP, apesar da RCP, desfibrilação e vasopressor,
indica-se um antiarrítmico: amiodarona (antiarrítmico de
escolha) ou lidocaína. A amiodarona, um antiarrítmico classe
III de Vaughan-Williams, é a droga antiarrítmica de primeira
escolha no tratamento da FV/TVSP refratária após a droga
vasopressora e nova desfibrilação.
Tratamento da assistolia e da atividade elétrica sem pulso
(AESP)
São ritmos em que a desfibrilação não está indicada. Devese,
então, promover RCP de boa qualidade, aplicar as drogas
indicadas e procurar identificar e tratar as causas reversíveis27.
Se no momento da checagem de ritmo, após dois minutos
contínuos de RCP, houver um ritmo organizado no monitor,
procede-se à checagem do pulso central carotídeo por cinco
a 10 segundos. Caso não haja pulso palpável nesse período,
identifica-se AESP.
Para ritmo de Assistolia ou AESP, um vasopressor, adrenalina
ou vasopressina pode ser administrado com o objetivo de
incrementar o fluxo sanguíneo cerebral e miocárdico33. O
uso rotineiro de atropina não é recomendado.
O uso da vasopressina no lugar da primeira ou segunda
dose de adrenalina pode ser realizado, mas metanálise não
demonstrou diferenças entre as duas para nenhum dos ritmos
de PCR.
Não há evidência clara de benefício terapêutico com uso
rotineiro de atropina no tratamento da PCR em AESP.
AESP e Assistolia podem ser causadas por condições
reversíveis e tratadas com sucesso se forem detectadas.
Durante os 2 minutos de RCP, os socorristas devem lembrar
dos “5Hs e 5Ts”. Na AESP, quando existe a suspeita de um
tromboembolismo pulmonar, a administração empírica de
trombolíticos deve ser considerada.
As recomendações para o manejo da PCR em assistolia e
AESP são ilustradas na Tabela 4.
A Figura 2 ilustra o Algoritmo do tratamento da parada
cardíaca em Atividade elétrica sem pulso ou Assistolia.
Vias para administração de medicamento
Durante a parada cardíaca a prioridade sempre será
administrar RCP de boa qualidade e desfibrilação imediata; a
administração de drogas será secundária. Depois da tentativa
de desfibrilação, os socorristas devem estabelecer um acesso
intravenoso (IV) ou intraósseo (IO), sem interrupção das
compressões torácicas.
Deve-se escolher, de preferência, o acesso venoso
periférico nos membros superiores (veia antecubital). Se não
for possível estabelecer acesso IV, a via intraóssea (IO), para
administração de drogas, pode proporcionar concentrações
plasmáticas adequadas, similares às alcançadas pelo
acesso intravenoso. A administração de medicamentos
por um acesso central pode ser considerada se não houver
nenhuma contraindicação. Estudos têm demonstrado que
drogas como lidocaína, adrenalina, atropina, naloxone e
vasopressina podem ser absorvidas por via endotraqueal.
Porém, a administração intravenosa (IV) ou intraóssea (IO)
de medicamentos é preferível à administração endotraqueal.
Cuidados pós-ressuscitação cardiopulmonar
Cuidados organizados pós-PCR com ênfase em programas
multidisciplinares têm como finalidade diminuir, numa fase
inicial, a mortalidade associada à instabilidade hemodinâmica
e, como consequência, limitar o dano cerebral e a lesão nos
demais órgãos. O tratamento deve estar direcionado para
disponibilizar um suporte que inclua ressuscitação volêmica,
uso de drogas vasoativas, ventilação mecânica e o emprego
de dispositivos de assistência circulatória.
O termo síndrome pós-PCR se refere a um processo
fisiopatológico complexo de lesão tecidual secundária à
isquemia, com injúria adicional de reperfusão34. Nessa síndrome,
estão presentes e são reconhecidos quatro componentes
principais: injúria cerebral, disfunção miocárdica, isquemia de
reperfusão e intervenção na patologia precipitante35.
Após o RCE, obtenção de uma via aérea definitiva
adequada para suporte da ventilação mecânica se faz
necessária. É nesse momento, por exemplo, que uma máscara
laríngea colocada em regime de emergência deve ser trocada
por uma cânula orotraqueal.
A oxigenação do paciente deve ser monitorizada de
forma contínua com oximetria de pulso. O capnógrafo,
quando disponível, pode auxiliar no estabelecimento da
via aérea definitiva em local apropriado. Na ausência de
contraindicações, a cabeceira do leito deve ser mantida elevada
ao menos a 30˚ para prevenir edema cerebral, broncoaspiração
e pneumonia associada à ventilação mecânica.
A respeito da oferta ideal de oxigênio, a recomendação
é que, já na primeira hora, a fração inspirada de oxigênio
(FIO2) seja ajustada para uma saturação arterial entre
94% e 96%, evitando assim a hiperoxia – que facilita
aumento no estresse oxidativo e está associada a pior
prognóstico neurológico36.
Cuidados com volume corrente devem ser instituídos a fim
de evitar barotrauma, volutrama e biotrauma. Eletrocardiograma
de 12 derivações deverá ser precocemente realizado após o
RCE para que possam ser detectadas elevações do segmento
ST ou bloqueio de ramo esquerdo supostamente novo. Mesmo
na ausência de elevação do segmento ST, mas na suspeita de
Síndrome Coronariana Aguda, tratamentos medicamentosos
ou intervencionistas devem ser iniciados e não devem ser
atrasados devido ao estado de coma. A realização simultânea
de intervenção coronária percutânea e hipotermia é segura e
apresenta bons resultados.
O emprego de drogas vasoativas está indicado para adequar
o débito cardíaco, e deve ser administradas preferencialmente
por meio de acesso venoso central.
Pelo fato de Hipotermia Terapêutia (HT) ser a única
intervenção que demonstrou melhora da recuperação
neurológica, deve ser considerada para qualquer paciente que
seja incapaz de obedecer comandos verbais após o RCE37-40.
Evidências indicam que pacientes adultos comatosos, ou
seja, que não apresentam resposta adequada aos comandos
verbais, e que apresentem RCE após PCR no ritmo de
FV / TVSP fora do ambiente hospitalar, devem ser resfriados
a 32° a 34° C por 12 a 24 horas.
Apesar de não haver estudos consistentes específicos de
hipotermia em subgrupos de pacientes que apresentam PCR
em ritmo não chocável, a hipotermia induzida também pode
beneficiar pacientes adultos em coma, com RCE após PCR fora
do hospital a partir de outros ritmos, como assistolia ou atividade
elétrica sem pulso, ou nas paradas cardíacas intra-hospitalares.
A temperatura central do paciente deve ser monitorada
continuamente por meio de termômetro esofágico, cateter
vesical ou cateter de artéria pulmonar. O resfriamento deve ser
iniciado prontamente, preferencialmente no local do evento
ou até 6 horas após o RCE.
A fase de manutenção se inicia ao atingir temperatura
de 34° C, e se extende por 24 horas. Os cuidados são
direcionados para controle rigoroso de temperatura, a fim de
se evitar o híper resfriamento (temperatura < 32° C).
O início da fase do reaquecimento não implica na
descontinuidade imediata dos dispositivos de resfriamento,
já que o ganho de temperatura deverá ser gradativo. A
velocidade ideal do reaquecimento não é conhecida; o
consenso é para que o ganho seja de 0,25 a 0,5° C a cada hora.
A observação por tempo superior a 72 horas é recomendada
naqueles submetidos à HT antes da avaliação do prognóstico.
Devem ser consideradas estratégias para tratar a hiperglicemia,
já que valores de glicemia > 180 mg/dl em pacientes com
RCE podem ser deletérios. A hipoglicemia deve ser evitada.
Dessa forma, estratégias para um controle glicêmico moderado
– glicemias entre 144 e 180 mg/dl – podem ser instituídas
para adultos com RCE.
A complexidade dos cuidados pós-RCP é sabidamente
comprovada. O avanço tecnológico e a intervenção precoce
trouxeram maior perspectiva de sobrevida, contudo os
desafios ainda são grandes. Neste contexto, a hipotermia é um
dos tópicos que certamente ainda deverá ocupar um maior
espaço na terapêutica a ser oferecida.
Fonte: http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/169209/mod_resource/content/2/Diretriz%20Brasileira%20para%20RCP%20-%20I%20Diretriz%20de%20Ressuscita%C3%A7%C3%A3o%20Cardiopulmonar%20e%20Cuidados%20Cardiovasculares%20de%20Emerg%C3%AAncia%20da%20Sociedade%20Brasileira%20de%20Cardiologia%20Resumo%20Executivo.pdf